DIA 194: Conhecer-me em silêncio
Tento evitar
falar para me ajudar na recuperação da boca após a cirurgia de extração de um
dente. Quando fui ao supermercado, não cumprimentei o senhor da caixa e nesse
momento julguei-me como sendo mal-educada. O facto de não lhe ter respondido
serviu para eu imediatamente pensar que estava a ser julgada como antipática. Ao trazer o ponto para mim própria, apercebi-me que esta é a minha expectativa sobre mim própria que eu também imponho aos outros e que acabo por ser eu a julgar os outros como antipáticos quando não correspondem ao cumprimento...
Decidi escrever sobre as realizações provenientes do silêncio porque é a segunda vez que me dedico ao
silêncio e vejo que há alguns pontos interessantes a investigar.
Por exemplo,
começo a ver como eu me vejo e identifico como sendo faladora - já na escola
primária lembro-me de ouvir a Professora a mandar calar as "galinhas"
da classe... Mesmo na minha relação com o João, eu sou a mais faladora e
comunicativa, como se esta fosse uma necessidade.
Ao escrever
sobre este ponto apercebo-me do medo que eu de mal-entendidos, por isso uso a
fala para garantir que "está tudo bem" e confesso que pode ser bastante cansativo e stressante. Lembro-me
por exemplo de ver situações nos filmes em que as crianças são mal entendidas e
eu sinto um impulso para defendê-las e pergunto-me "mas porque é que ele
não falou para se defender!". Vejo que esta necessidade de me defender, de
provar algo, de garantir que está tudo bem e que não há mal-entendidos é
baseada na falta de confiança no outro para perceber o que eu digo e na crença
que eu tenho de salvar a situação... Vejo então que, em vez de estar um e igual
às palavras que eu digo, estou de facto separada das palavras porque acredito
que o outro precisa de ouvir aquilo que eu tenho a dizer. Provavelmente teria
mais efeito se eu, em vez de me preocupar tanto em explicar os pontos,
realmente vivesse as palavras e mostrasse os pontos ao servir de exemplo...
Outra
descoberta durante este fim-de-semana silencioso foi como eu associo o silencio
a que alguma coisa esteja mal - por exemplo, nos relacionamentos há por vezes
este silêncio de gelo quando não se quer falar com o outro porque há uma
resistência em ultrapassar um ponto (quer seja raiva, orgulho, amuo ou
vitima). As conversas banais servem como a outra polaridade, em que se
fala apenas para se manter a "boa relação" e o status quo da relação.
Em ambos os casos, apercebo-me que estou separada de mim própria e portanto a
comunicação parece também estar separada de mim. Ou seja, em ambos os casos
tenho pontos para trabalhar/perdoar em mim ao identificar de onde vem a
resistência ou, no lado oposto, a necessidade em falar com o outro.
Uma coisa
que eu também me tenho aprendido em momentos de silêncio é a confiar em mim e
naquilo que eu estou a fazer, sem a necessidade de me justificar ao outro, ou
de me defender, ou de explicar, ou de desejar ter o apoio do outro. E sabe bem
praticar a auto-confiança ao estar bem comigo própria em silêncio. Oiço a
respiração mais facilmente e estou focada na minha ação. Apercebo-me que ao
trabalhar os meus pontos eu vou estar bem com os outros à minha volta e que não
preciso necessariamente e pôr cá para fora tudo o que se passa na minha mente,
porque isso não é quem eu realmente sou! A mente de ideias, medos,
preocupações, desejos e crenças é aquilo que eu tenho conhecido de mim até
agora e partilhado com os outros, quando na realidade quem eu sou está para
além desta mentIRA - é então uma questão de tomar responsabilidade por tudo
aquilo que eu comunico aos outros e pelas conversas que eu tenho dentro de mim.
Em vez de passar os meus problemas aos outros (que também não os vai ajudar),
porque não investigar primeiro em mim a origem do problema, perdoar-me pela
poluição mental dentro de mim, e dedicar-me a criar as soluções, testá-las e
depois partilhar este processo?
Tenho então
visto a relevância da comunicação quando esta é aplicada em senso comum - e é
fascinante como uma conversa com a outra pessoa pode ser tão reveladora para eu
me aperceber de novos pontos que eu ainda não tinha considerado! E como pedir
ajuda pode ser igualmente benéfico quando estou tão fechada na minha mente que
não consigo ver uma solução para o meu problema.
Dedico-me
então a averiguar os momentos em que eu falo só por falar e comprometo-me a respirar e a parar este sistema que funciona como uma distração da minha mente e que também
não beneficia a outra pessoa. Comprometo-me então a confiar em mim para
primeiro ver os pontos por mim, a escrever sobre os medos, sobre as
preocupações, escrever o perdão próprio e escrever o meu plano de
auto-correção. Quando comunicar com os outros, eu comprometo-me a ser
específica com base na minha prévia auto-investigação, em vez de falar na
ânsia/desejo que o outro saiba a solução para o meu problema - como já vi, eu
sou a única que me posso ajudar, mesmo que isso implique pôr em prática os
conselhos dos outros.
Ilustração: Mallin http://malingunilla.blogspot.com/