DIA 253: Desconstruir a minha ideologia - a guerra fria que criei em mim
Todo o meu
programa mental é baseado em ideias que eu criei sobre mim própria e esta é a
ideologia que tem servido de guia na minha vida, manifestada nas minhas
decisões e atitudes para com as coisas, quer sejam acontecimentos ou pessoas.
De acordo
com o dicionário, uma ideologia é "um sistema de ideias, valores e
princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e
orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido
político, grupo religioso, etc.)"*.
Cada um de
nós tem a sua própria ideologia que funciona como os nossos óculos (com
filtros!) para vermos o mundo e, especialmente, para nos vermos a nós próprios.
São exactamente estes filtros/ideias de mim própria e do mundo que eu me
proponho desconstruir ao longo do meu processo de investigação, perdão-próprio
e auto-correção. Para isso, a primeira decisão foi a de ver que esta ideologia
não é necessariamente a minha verdade e que eu não tenho de impor estas ideias
a mim própria nem de projectá-las no mundo. Porquê? Porque não tem sido o
melhor para mim nem para os outros à minha volta, especialmente nos padrões que
se manifestam na minha relação comigo própria, nas minhas relações com os
outros e na minha relação com o mundo. Há pontos que eu me tenho tornado ciente
e me tenho dedicado a corrigir ao longo
dos últimos anos - tal como uma cebola, à medida que retiro uma camada encontro
uma nova ou o mesmo ponto surge para eu lidar novamente, de uma vez por todas.
Vou hoje
começar com uma ideia que, embora pareça ser superficial, foi a partir desta
que eu comecei a investigar a origem da minha ideologia e que decidi escrever
este blog.
Até hoje,
tenho-me definido com sendo friorenta e ainda não me tinha apercebido como esta
ideia me tem limitado e criado desconforto na minha realidade. Por exemplo, a
ideia de ter frio tem-me impedido de sair de casa à noite, de sair da cama de
manhã ou até de andar descalça na tijoleira. Se a ideia do frio não existir,
aquilo que eu vejo é que é uma questão de hábito e que o meu corpo adapta-se à
temperatura rapidamente.
Ou seja, a
ideia que eu tenho do choque de temperatura é tudo aquilo que me limita - é a
imagem do frio que existe na minha mente que me limita a minha ação, seja ela
qual for! Lembro-me de ter ido fazer snowboard
e, mesmo dentro do autocarro, já estava a criar uma reação ao frio só de pensar
no frio que eu iria sentir lá fora. Na
minha mente, eu crio o desconforto do frio mesmo antes de o sentir porque já
tenho registada em mim a ideia do choque de temperatura. No entanto, se eu não
reagir contra o frio, irei rapidamente ver/sentir que afinal não custa tanto e
que o frio passa, ou que posso fazer com que o frio não se sinta (agasalhar-me
melhor, por exemplo)
A
importância de analisar a minha experiência do medo do frio reside em
identificar um padrão de pensamento que, muito provavelmente, se aplica noutras
situações e que pode evoluir para uma fobia. Tal como qualquer medo, este não
precisa de existir. O mesmo padrão existe em relação às preocupações: ou seja, pre-ocupamo-nos com algo mesmo antes desse
algo existir. Isso é inútil e não ajuda a lidar com a realidade.
Durante a
minha infância eu lembro-me de ser chamada "friorenta" porque eu era
mais sensível ao frio do que as minhas irmãs. A minha mãe dizia várias vezes
que eu "era feita de lãzinha" porque não podia apanhar uma corrente
de ar ou sentir um bocadinho de frio sem me queixar. Este tornou-se um
automatismo até hoje.
Ao escrever
sobre este padrão consigo identificar outros automatismos em mim que são
baseados em ideias, ou seja, a minha ideologia passou a ditar as minhas ações.
O facto de eu acreditar que sentir o frio do chão ou a brisa do vento é razão
para eu reagir faz com que eu reaja. Porquê? Vejo agora que existe o medo de
ficar constipada. Quem é que não ouviu dizer: "não apanhes frio ou ainda
ficas constipada". Grande parte da educação infantil consiste em ameaças
ou em ultimados de "ou fazes isto ou qualquer-coisa-de-mau acontece".
Por isso, apanhar frio ou sentir frio passou a ter uma conotação negativa em
mim. Quantos de nós temos esta relação de medo ou de preocupação com as coisas?
Este
processo é revelador. Quanto da vida estamos a ignorar ou a escolher não ver
porque aceitamos e permitir limitarmo-nos com as ideias que impomos a nós
mesmos? Quanto de mim estou a limitar ao participar neste padrão de
auto-limitação que, tal como um vírus, tem a capacidade de contagiar as minhas
outras ações para justificar a "lealdade" à ideologia?
Apesar deste
blog ser essencialmente para transmitir o padrão e perceber como é que a mente
funciona, escusado será dizer que são exactamente estas ideias que criam
separação para com a realidade e isto passa-se tanto nas nossas vidas pessoais
como ao nível internacional - basta ver como a ideologia serve de rótulo que
bloqueia a comunicação entre grupos definidos por ideologias diferentes.
Não será a
Guerra Fria uma manifestação da nossa própria relação com as nossas ideologias
e da maneira como nos sentimos ameaçados por ideologias diferentes que desafiam
as nossas própria crenças?
Finalmente,
não será a ideologia uma barreira invisível e mental que nos separa do mundo
físico e da realidade?
Voltando ao
exemplo do frio, o facto de eu evitar colocar o pé na tijoleira, estou a
sabotar o meu equilíbrio corporal e posso eventualmente magoar-me "a
sério" na tentativa de saltar de um tapete para o outro; ter resistência
para sair de casa por causa da ideia do frio pode condicionar o meu dia e
dificultar a minha comunicação com os outros por estar em modo reactivo; preocupar-me com a ideia de ficar constipada
por sentir frio é meio caminho andado para me permitir estar vulnerável e criar
a minha própria doença na minha mente e depois no meu corpo.
Este
processo de desconstruir a minha ideologia é o processo de tomar
responsabilidade por cada pensamento, por cada ideia, por cada julgamento e por
cada verdade ou mentira que eu criei em mim própria. Só tirando estes óculos
foscos é que será possível ver o que a vida realmente é, expandir-me e vero o
mundo em que andamos, com os pés bem assentes na Terra.
* Referência: http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/ideologia;jsessionid=4dEnn8Aioc735WTIZ+kn7Q__
Ilustrações: Andrew Gable, Stop the Cycles of Collapse
Word from the Well, Ground ourselves