DIA 194: Conhecer-me em silêncio

sábado, abril 06, 2013 0 Comments A+ a-


Tento evitar falar para me ajudar na recuperação da boca após a cirurgia de extração de um dente. Quando fui ao supermercado, não cumprimentei o senhor da caixa e nesse momento julguei-me como sendo mal-educada. O facto de não lhe ter respondido serviu para eu imediatamente pensar que estava a ser julgada como antipática. Ao trazer o ponto para mim própria, apercebi-me que esta é a minha expectativa sobre mim própria que eu também imponho aos outros e que acabo por ser eu a julgar os outros como antipáticos quando não correspondem ao cumprimento...


Decidi escrever sobre as realizações provenientes do silêncio porque é a segunda vez que me dedico ao silêncio e vejo que há alguns pontos interessantes a investigar.

Por exemplo, começo a ver como eu me vejo e identifico como sendo faladora - já na escola primária lembro-me de ouvir a Professora a mandar calar as "galinhas" da classe... Mesmo na minha relação com o João, eu sou a mais faladora e comunicativa, como se esta fosse uma necessidade.
Ao escrever sobre este ponto apercebo-me do medo que eu de mal-entendidos, por isso uso a fala para garantir que "está tudo bem" e confesso que pode ser  bastante cansativo e stressante. Lembro-me por exemplo de ver situações nos filmes em que as crianças são mal entendidas e eu sinto um impulso para defendê-las e pergunto-me "mas porque é que ele não falou para se defender!". Vejo que esta necessidade de me defender, de provar algo, de garantir que está tudo bem e que não há mal-entendidos é baseada na falta de confiança no outro para perceber o que eu digo e na crença que eu tenho de salvar a situação... Vejo então que, em vez de estar um e igual às palavras que eu digo, estou de facto separada das palavras porque acredito que o outro precisa de ouvir aquilo que eu tenho a dizer. Provavelmente teria mais efeito se eu, em vez de me preocupar tanto em explicar os pontos, realmente vivesse as palavras e mostrasse os pontos ao servir de exemplo...

Outra descoberta durante este fim-de-semana silencioso foi como eu associo o silencio a que alguma coisa esteja mal - por exemplo, nos relacionamentos há por vezes este silêncio de gelo quando não se quer falar com o outro porque há uma resistência em ultrapassar um ponto (quer seja raiva, orgulho, amuo ou vitima). As conversas banais servem como a outra polaridade, em que se fala apenas para se manter a "boa relação" e o status quo da relação. Em ambos os casos, apercebo-me que estou separada de mim própria e portanto a comunicação parece também estar separada de mim. Ou seja, em ambos os casos tenho pontos para trabalhar/perdoar em mim ao identificar de onde vem a resistência ou, no lado oposto, a necessidade em falar com o outro.

Uma coisa que eu também me tenho aprendido em momentos de silêncio é a confiar em mim e naquilo que eu estou a fazer, sem a necessidade de me justificar ao outro, ou de me defender, ou de explicar, ou de desejar ter o apoio do outro. E sabe bem praticar a auto-confiança ao estar bem comigo própria em silêncio. Oiço a respiração mais facilmente e estou focada na minha ação. Apercebo-me que ao trabalhar os meus pontos eu vou estar bem com os outros à minha volta e que não preciso necessariamente e pôr cá para fora tudo o que se passa na minha mente, porque isso não é quem eu realmente sou! A mente de ideias, medos, preocupações, desejos e crenças é aquilo que eu tenho conhecido de mim até agora e partilhado com os outros, quando na realidade quem eu sou está para além desta mentIRA - é então uma questão de tomar responsabilidade por tudo aquilo que eu comunico aos outros e pelas conversas que eu tenho dentro de mim. Em vez de passar os meus problemas aos outros (que também não os vai ajudar), porque não investigar primeiro em mim a origem do problema, perdoar-me pela poluição mental dentro de mim, e dedicar-me a criar as soluções, testá-las e depois partilhar este processo?

Tenho então visto a relevância da comunicação quando esta é aplicada em senso comum - e é fascinante como uma conversa com a outra pessoa pode ser tão reveladora para eu me aperceber de novos pontos que eu ainda não tinha considerado! E como pedir ajuda pode ser igualmente benéfico quando estou tão fechada na minha mente que não consigo ver uma solução para o meu problema.
Dedico-me então a averiguar os momentos em que eu falo só por falar e comprometo-me a respirar e a parar este sistema que funciona como uma distração da minha mente e que também não beneficia a outra pessoa. Comprometo-me então a confiar em mim para primeiro ver os pontos por mim, a escrever sobre os medos, sobre as preocupações, escrever o perdão próprio e escrever o meu plano de auto-correção. Quando comunicar com os outros, eu comprometo-me a ser específica com base na minha prévia auto-investigação, em vez de falar na ânsia/desejo que o outro saiba a solução para o meu problema - como já vi, eu sou a única que me posso ajudar, mesmo que isso implique pôr em prática os conselhos dos outros.

Ilustração: Mallin http://malingunilla.blogspot.com/